Relato sobre defesa de mestrado de “Processos de vinculação e redes sociais: um estudo sobre três comunidades de astrologia do Facebook”, de Vanessa Heidemann
Coesão é uma coisa que me salta
aos olhos. A astrologia explica o porquê, virginiano que sou. Mas, mais do que
isso, me fascina o empenho de uma pessoa aprofundar em algo até que surja um
padrão dali.
Foi o caso da mais recente defesa
de dissertação de mestrado feita por uma integrante do NAMI, Vanessa Heidemann.
O título da pesquisa é “Processos de vinculação e redes sociais: um estudo
sobre três comunidades de astrologia do Facebook”.
A pesquisadora falou de astrologia, uma das primeiras maneiras que o Homo sapiens encontrou para explicar
esse tempo cíclico (kairós, ou tempo
oportuno, no idioma helênico) que interferia na sua vida e no mundo a sua
volta. Num mundo onde tudo muda e, portanto, nada é confiável, no que acreditar
senão na constância da abóbada celeste? E como identificar as estrelas naquele
céu infinito?
O que está acima é como o que está abaixo. O que está dentro é como o
que está fora, nos ensina a lei hermética da correspondência. Acontece que
esse Homo sapiens, que olhava para
cima tentando encontrar explicações sobre si mesmo, era um mamífero. E os
mamíferos dependem da ligação com o(s) outro(s) desde o momento do nascimento.
São ligantes, diria outro pesquisador
francês chamado Bóris Cyrulnik. Ligam-se uns com os outros, mas também ligam às
coisas. Ligam as estrelas, formam constelações. Associam essas constelações com
aquilo que lhes é familiar. Dão nomes a elas. Atribuem sentidos a elas. E, a
partir disso, atribuem sentidos a si mesmos.
O Homo sapiens pode não olhar mais tanto assim para as estrelas. Mas,
como disse certa vez um tio da pesquisadora ao olhar as luzes da cidade: Para que olhar para as estrelas lá em cima
se vocês tem tanta estrela na terra? Pois é, não dá para discordar dessa
pessoa, uma hermética, mesmo sem saber. Se hoje não olhamos (diretamente) para
cima, por vezes olhamos para aqueles que ainda olham. E talvez até nos liguemos
a comunidades que, tais como estrelas de grande gravidade, criam uma órbita que
atrai às vezes milhões de outros corpos celestes.
É sobre isso que a pesquisa
defendida versou. Não apenas sobre as redes que ligam as estrelas e lhes atribuem
sentidos, mas também às redes que ligam os teóricos científicos que (substituindo
o papel dos astros) guiam nossos sentidos, e ainda sobre as redes que ligam
esses Homo sapiens uns aos outros
contemporaneamente. Afinal, os Homo sapiens se constelam. Vinculam-se.
E, ligados uns aos outros, atribuem sentido à suas vidas. Afetam-se.
Todos nós, ali presentes,
testemunhamos um rito de passagem. Vimos uma graduada em Filosofia entrar, e
uma mestra em Comunicação e Cultura sair. O que me leva a uma digressão. Apesar
da nossa palavra rito ser originada do latim ritu, indicando um padrão cerimonial, não seria nenhum exagero
aproximá-la da palavra ríton, originária do grego rhytón (por sua vez, relacionada ao verbo rhein –fluir). Os rítones, comuns nas antigas Pérsia, Grécia e
Roma, eram recipientes utilizados tanto para beber os líquidos contidos neles
quanto para utilizar em libações (daí a relação com o verbo fluir). Curiosamente,
assim como as constelações, também eram associados aos animais.
Fonte: Ríton Leão. Getty
Museum.
Se assumirmos a relação do termo
brasileiro rito com o ríton, teremos algumas pistas sobre a apresentação que
pudemos ver. Ao mesmo tempo em que era evidente que a pesquisadora havia bebido
muito da fonte do conhecimento para chegar às suas considerações, vimos uma
apresentação que fluiu perfeitamente, agradando a uma audiência formada por
pessoas com as mais diferentes formações de vida.
E, se foi permitida a digressão
sobre uma especulativa relação entre o rito e o ríton, porque não extrapolar
isso para falar também do ritual? Poderíamos pensar, nesse contexto, como uma
tradução de ritual como beber junto?
Se for possível, posso ampliar meu testemunho sobre a pesquisadora que ali se
apresentou. Bebemos juntos várias vezes. A ponto de eu saber que aquela
pesquisa não só cumpria formalidades acadêmicas, requisitos do fazer
científico, adesão com Programa de Pós-Graduação, Área de Concentração, Linha
de Pesquisa, Grupo de Pesquisa e Produção Científica da Orientadora. Aquela
pesquisa responde inquietações profundas da própria pesquisadora, o que é
termômetro para o caráter dela: sua pesquisa não visa um volume a ser
depositado numa biblioteca, visa compreender melhor o mundo que a circunda,
para poder contribuir de maneira mais significativa nos dias por vir.
Eu, ao contrário da pesquisadora, não entendo muito de astrologia. Mas tenho certeza de que às dez horas da manhã do dia 18 de dezembro de 2018, no auditório do Bloco D da Universidade de Sorocaba, a carta astral era: Sol em Vanessa Heidemann, Ascendente em Monica Martinez, Lua em Míriam Cristina Carlos Silva e Casa 12 em Jorge Miklos. É essa a carta que marca o nascimento da mais nova Mestra em Comunicação e Cultura pela Universidade de Sorocaba, integrante do Grupo de Pesquisas em Narrativas Midiáticas. Parabéns, Vane!
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