Comunicação e afeto: relato sobre o primeiro encontro de 2017 do Nami
O evento, que aconteceu
nas dependências do campus da Cidade Universitária Professor Aldo Vannucchi,
foi marcado pela coordenação das professoras doutoras Monica Martinez e
Tarcyane Cajueiro Santos. Na ocasião, elas abordaram o tema central a partir do
olhar do etólogo francês Boris Cyrulnik, por meio dos livros Os alimentos do afeto (1995) e Autobiografia de um espantalho - histórias
de resiliência: o retorno à vida (2009).
Boris Cyrulnik é
neuropsiquiatra, psicólogo, psicanalista e etologista – um dos pioneiros em
etologia clínica humana na França. Já trabalhou com observação de comportamento
animal, o que por extensão o levou à observação do comportamento humano,
norteando, posteriormente, seus estudos sobre problemas relacionais.
O
autor por trás das obras
“O
prazer de a pessoa se tornar ela mesma, de saber quem é, de onde vem, como
gosta de viver, passa pelo vínculo que ela estabelece com os outros”,
Boris Cyrulnik em Os alimentos do afeto.
Essa jornada pelo
comportamento e relações humanas foi pautada por sua história de vida, marcada
por traumatizantes acontecimentos familiares que lhe perturbaram a infância. De
origem judia, seus pais e a irmã foram deportados para um campo de concentração
na Alemanha/Polônia, durante a 2ª Guerra Mundial (1939/1945), onde morreram.
Ele, por sua vez, foi
salvo pela mãe ao ser arremessado do trem, em movimento, que seguia para o
campo. Por sorte ou destino, encontrou com pessoas que o acolheram e
educaram-no como um filho. Foi a partir deste encontro que o menino Boris pode elaborar
os traumas sofridos, o princípio da resiliência.
Comunicação
e afeto
“Os
olhos não servem apenas para ver. Servem também para os olhares se cruzarem e
trocarmos nossos afetos”, Boris Cyrulnik, em Os alimentos do afeto.
Para Cyrulnik, estudar
a afetividade sob o olhar da força biológica sensorial e da comunicação
material é uma alternativa para compreender a união dos seres humanos e sua
estrutura de coexistência.
O homem é um fabricante
de signos e o comportamento humano está intimamente ligado à afetividade e à
resiliência. Segundo o etólogo, habitamos um mundo interpretado por outros,
onde precisamos nos situar. O mundo inter-humano é um mundo onde nossos
sentidos ganham sentido e nossa sensorialidade se impregna de história. “Ela governa
tanto nossas emoções quanto nossas percepções”, explica.
Em seu livro Os alimentos do afeto, Boris também exemplifica
a ideia com uma passagem de um mestre da música sobre sua relação de
comunicação e afeto, onde diz “não amo os homens o bastante para amar a
linguagem”, daí a afirmação “antes de falar é preciso amar”.
Segundo o autor, a
importância dos sentimentos reflete na forma como aprendemos, referenciamos o
mundo e nos comunicamos, pois “o caminho do homem no aprendizado de uma língua,
não precisa somente assimilar o sons, as regras e as palavras; precisa adquirir
também a maneira de traduzir seus sentimentos nessa língua”.
No universo tudo é
codificado, explica. Para ele, nossos sentidos sempre participam da
apresentação do mundo percebido em signos, mesmo antes dos sons que permitem a
fala, tamanha é a importância em gerenciar esses sentimentos e sentidos humanos
para conseguir ir ao encontro do outro.
A observação também é
um tema enfatizado pelo psiquiatra, pois é por meio dela que adquirimos o
saber. Mas, no entanto, observamos somente aquilo que conseguimos perceber. Em
pesquisas científicas é bastante comum utilizar técnicas de observação, que
segundo o autor fazem-se necessárias justamente porque nossos sentidos nos
enganam. A “penetração do observador depende também da maneira como sua
faculdade de observação se elaborou ao longo de seu próprio desenvolvimento”,
diz.
Sob esse ponto de
vista, a discussão foi a de que a observação nunca é neutra, ela envolve a
percepção que por sua vez envolve os sentidos, a psique e todo o sistema.
A
importância da resiliência
"O
sofrimento é provavelmente o mesmo em todo ser humano traumatizado, mas a
expressão de seu tormento, o remanejamento emocional do que o destruiu depende
dos tutores de resiliência que a cultura dispõe em torno do ferido. O convite à
fala ou a obrigação do silêncio, o suporte afetivo ou o desprezo, a ajuda
social ou o abandono carregam uma mesma ferida de um significado segundo o modo
como as culturas estruturam seus relatos, fazendo um mesmo acontecimento passar
da vergonha para o orgulho, da sombra para a luz",
Boris Cyrulnik, em Autobiografia de um
espantalho.
Para finalizar o
encontro, a reflexão se estendeu em torno da narrativa, de acordo com os
estudos de Boris, de que o ser humano pode contar a história de formas
diferentes, todas verdadeiras, mas com variações sutis de acordo com as
múltiplas variantes possíveis, como os repertórios individuais. Com a reflexão
apoiada no livro Autobiografia de um
espantalho, a discussão pontuou a necessidade da resiliência para a
construção de um mundo evolutivo, melhor e mais humano.
O conhecimento de que
as histórias constroem e destroem, de que há poder nas palavras e na forma como
contamos as jornadas e os fatos, esbarra no poder e na necessidade de
resiliência. A importância de sobreviver, mas de forma plena, diante das
intempéries da vida assinala a qualidade dessa vivência.
Cida
Montesino
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